É comum familiares de pessoas afetadas com algum tipo de síndrome acharem que a ciência anda muito devagar. Uma vez um pai perguntou: “se conseguimos colocar um homem na Lua, por que não conseguimos curar de vez o autismo?”. Essa percepção reflete a demora que temos em transferir o conhecimento gerado dentro dos laboratórios para a clínica. Isso é ainda mais vagaroso em doenças que envolvem crianças, pois o teste clínico muitas vezes requer uma série de regulações éticas que servem para proteger os pacientes de um eventual efeito colateral.
No entanto, vejo o momento oportuno e sou otimista quanto a futuras terapias. O progresso científico nos últimos tempos tem sido fantástico, mesmo com crises económicas afetando as maiores potências científicas mundiais. Tomemos o exemplo do ano passado e das pesquisas com síndromes do espectro autista.
Pelo “PubMed” (portal de busca de trabalhos biomédicos), foram publicados mais de mil artigos sobre a genética e estrutura cerebral de pacientes autistas, número três vezes superior ao mesmo período de tempo de uma década atrás. Tem muita informação nova chegando, com técnicas cada vez mais sofisticadas.
Aprendemos, por exemplo, que é possível observar diferenças no padrão de EEG (eletroencefalografia) em crianças autistas antes do primeiro ano de idade. Detecção precoce significa possibilidade de intervenção precoce. De fato, estudos de 2012 confirmaram que autistas em terapia intensiva tiveram mais que o dobro de melhora comportamental do que aqueles que receberam apenas tratamentos tradicionais, com alguns casos de pacientes até saindo do espectro autista.
Continuamos não sabendo o que causa o autismo. A alta concordância em estudos envolvendo gêmeos idênticos e a associação com outras síndromes genéticas, como a síndrome de Rett, tem confirmado as bases genéticas do autismo e levado a buscas por alterações genômicas em famílias com pacientes autistas. Com o custo do sequenciamento diminuindo, o número de trabalhos nessa área tem crescido exponencialmente.
O que descobrimos é infinitamente mais complexo do que imaginávamos alguns anos atrás, com centenas de genes implicados. Muitos dos genes descobertos estão também presentes em outras condições, como em esquizofrenia e epilepsia. Variações genéticas estão presentes em pelo menos 25% das crianças, mas nenhuma dessas variações contribui com mais de 1-2% de casos e muitas são alterações particulares, ou seja, aparecem em apenas uma criança.
Uma das descobertas mais curiosas é a alta frequência de mutações espontâneas. Essas alterações genéticas não estão presentes no genoma dos pais e, portanto, não seriam hereditárias, mas surgem espontaneamente antes ou no momento da concepção. Algumas alterações genéticas podem acumular no genoma do esperma do pai e aumentar de frequência com o passar dos anos devido a replicação de células progenitoras de espermatozoides.
Pais com mais de 40 anos tem um maior número de mutações e correm um risco significativamente mais elevado de gerar uma criança com autismo quando comparados com pais com menos de 30 anos.
E as causas ambientais? Diversos fatores, como exposição a poluição, pesticidas e antidepressivos têm sido propostos como fatores de risco. A maioria dos estudos baseia-se na exposição da mãe durante a gestação. Muitos desses trabalhos são ainda preliminares devido ao pequeno número amostral. De qualquer forma, grande parte dos cientistas assume que os fatores ambientais interferem com a suscetibilidade genética, mas sabemos muito pouco como isso acontece.
Casos de mutações específicas de famílias de autistas, alterando vias metabólicas conhecidas, como degradação de aminoácidos, sugerem que dietas alimentares podem ser benéficas no tratamento de algumas formas de autismo. Esses estudos nos lembram que doenças genéticas muitas vezes podem ser corrigidas pelo ambiente, ou seja, podem ser reversíveis. Algo impensável há poucos anos. De fato, muitos pesquisadores já concordam com o conceito da reversibilidade e isso tem atraído mais e mais interesse de outros grupos de pesquisa e da indústria farmacêutica (ainda tímida, mas interessada).
De acordo com dados epidemiológicos, o autismo afeta hoje em dia 1 em cada 88 crianças, um aumento de 78% desde 2002. O motivo desse aumento ainda é um mistério, mas, com certeza. melhorias no diagnóstico contribuem para esse acréscimo. Independente das causas, cerca de 1% das crianças afetadas é algo que merece urgência. Se o número de crianças autistas está crescendo realmente, quais seriam os fatores ambientais responsáveis por isso?
A ausência de um agente tóxico óbvio ou mesmo um micro-organismo torna a busca pelas causas do autismo muito difícil. Precisamos olhar com mais atenção, especialmente as pistas que estão surgindo ultimamente. Muitos especialistas acreditam que a exposição pré-natal seria um período critico. Observações recentes de que o cérebro sofre diversas modificações durante o primeiro ano de vida, muito antes dos efeitos comportamentais, suportam essas ideias e são consistentes com esse período de risco. Porém, dados em camundongos sugerem que o período crítico não seria tão essencial como se tem pensado, contrastando com essa teoria. Mas camundongos não são humanos e o argumento continua válido.
Existem milhares de questões a serem respondidas sobre o autismo e tenho percebido um crescente interesse da comunidade científica. O debate sobre o autismo é frequentemente contencioso: uns veem o autismo como uma doença, alguns como uma lesão e outros como identidade. Esse debate é importante pois coloca o autismo na mídia, diminuindo o preconceito e pressionando a classe política por mais recursos para pesquisa. O importante é que muitos pesquisadores agora enxergam o autismo como uma forma de “insight”, ensinando cientistas de diversas áreas sobre genética, evolução, neurociência e comportamento. Seja qual for sua posição, estamos vivendo um período de intenso progresso cientifico que irá, certamente, beneficiar a qualidade de vida dos pacientes e seus familiares.
Fonte AQUI
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