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quinta-feira, 24 de fevereiro de 2011

Electroencefalograma, marcador para risco de autismo


A única forma de determinar se uma criança é autista é feita através da utilizaçao de testes comportamentais e de observação, o que causa muitas vezes desconforto e confusão nos pais.

No entanto, a combinação de um electroencefalograma (EEG) com a matemática aplicada do campo da teoria do caos, pode permitir uma identificação do autismo com 80% de precisão.

Bosl e o seu colega Charles A. Nelson, director de pesquisa do Centro de Medicina do Desenvolvimento Infantil, registaram sinais de EEG de repouso de 79 bebés entre os 6 e 24 meses de idade, participando num estudo maior que visa encontrar marcadores de risco muito precoce do autismo. Quarenta e seis crianças tinham um irmão mais velho com um diagnóstico confirmado de uma perturbação do espectro autista (PEA), os outros 33 não tinham história familiar de PEA. Como os bebés a verem um assistente de pesquisa a soprar bolhas, as gravações foram feitas através de um capacete colocado na cabeça com 64 eléctrodos. Os testes foram repetidos, na medida do possível, aos 6, 9, 12, 18 e 24 meses de idade.

Nelson explica mais: "Vários neurocientistas acreditam que o autismo reflete uma" síndrome da desconexão", pelo qual as populações de neurônios distribuídos deixam de comunicar eficientemente uns com os outros. O artigo actual é compatível com esta hipótese, sugerindo que os cérebros dos recém-nascidos de alto risco para desenvolver o autismo apresentam padrões diferentes de ligação neuronal. "

Embora o teste de EEG para risco de autismo possa parecer impraticável para implementar em larga escala, é barato, seguro, não requer sedação (ao contrário do RM), leva apenas alguns minutos para executar e pode ser feito em um consultório médico.

Este trabalho ainda requer validação e refinamento.

Trabalho provisório AQUI

sábado, 19 de fevereiro de 2011

Hormonas Sexuais no Autismo


A investigadora da Universidade George Washington, Dra. Valerie Hu, professor de Bioquímica e Biologia Molecular, e a sua equipa da Escola de Medicina e Ciências da Saúde, descobriram que as hormonas sexuais masculinas e femininas regulam a expressão de um gene importante na cultura de células neuronais através de um mecanismo que poderia explicar os níveis, não só mais elevados de testosterona observada em alguns indivíduos com autismo, mas também porque os homens têm uma maior incidência de autismo do que as mulheres.

"Sabe-se que homens têm uma maior tendência para o autismo do que as fêmeas, no entanto, esta nova pesquisa pode, pela primeira vez, fornecer uma explicação molecular para o porquê e como isso acontece. Esta é apenas a ponta do iceberg em termos de compreensão de alguma subjacente biologia do autismo, e vamos continuar o nosso trabalho para descobrir novas maneiras de entender e, esperemos, um dia combater esta desordem do desenvolvimento neurológico ", disse Hu

Notícia em George Washington University onde pode ver a entrevista com a Dra valerie Hu.

Artigo científico AQUI.

terça-feira, 15 de fevereiro de 2011

Vermes contra o autismo



Por Allyson Muotri em Globo Notícias

Casos como o de um pai de uma família americana em Nova York, que luta pra encontrar um caminho que possa atenuar os efeitos do espectro autista em seu filho, são cada vez mais comuns. O filho, Lawrence, com 13 anos, foi diagnosticado com dois anos de idade e em pouco tempo já não se entrosava socialmente, exibia um comportamento repetitivo. Com os anos, sua personalidade foi ficando cada vez mais agressiva: batia a própria cabeça na parede, mordia os colegas e demonstrava muita ansiedade e agitação. Difícil pra família, pior para Lawrence.


O pai, Stewart, tentou diversos tratamentos. Começou buscando terapia do comportamento, modificações na dieta, terapia musical e, por fim, diversas combinações de medicamentos. Na maioria das vezes, a melhora era temporária e o tratamento deixava de fazer efeito após um curto período de tempo.
Como muitos pais, Stewart procurou por alternativas fora da medicina convencional.

No entanto, ao invés de seguir métodos sem uma base racional, ele começou a pesquisar em sites como o PubMed por literatura especializada, que traria informações e pesquisas cientificas sobre os tipos de sintomas apresentados pelo seu filho.

Numa dessas buscas, deparou-se com o trabalho de um grupo de pesquisadores que conseguiu tratar pacientes com a doença de Crohn, usando vermes de porcos conhecidos como Trichuris suis. Como outras doenças autoimunes, o sistema imunológico do próprio paciente ataca as paredes intestinais, levando à formação de úlceras e a desconforto.

Nesse caso, os parasitas do porco estariam modulando a resposta imunológica, diminuindo a inflamação (Summers e colegas, Gut, 2005). Stewart também encontrou evidências de que alguns dos sintomas presentes no autismo podem ser frutos de um ataque imunológico em células da glia no cérebro (Vargas e colegas, Annal Neurol 2005).

Para ele não foi difícil juntar os pontos: os vermes do porco poderiam também ajudar na modulação imunológica de seu filho. Sem medo do ridículo, escreveu uma pequena revisão e apresentou suas ideias a um grupo que pesquisava autismo no Albert Einstein College of Medicine. Os pesquisadores acharam inusitado, mas concluíram que valia a pena testar a hipótese. Através desse grupo, Stewart consegui comprar ovas de T. suis para tratamento de uma empresa europeia chamada OvaMed.
Stewart também conseguiu permissão do FDA americano para testar a droga em seu filho, sob supervisão dos pesquisadores e médicos. Cada frasco carrega 2.500 ovas e é, em geral, consumido a cada duas semanas, com um custo de 600 euros por mês.

Depois de ingeridas, as ovas tentam se alocar no intestino humano. Encontrando um ambiente hostil, a maioria morre. As ovas que sobrevivem dão origem a larvas que persistem no intestino por alguns dias. É nesse estágio que acontece a modulação do sistema imunológico.

Não se sabe ainda exatamente como isso acontece, as bases moleculares do fenômeno estão sendo pesquisadas. As larvas sobreviventes morrem logo em seguida e são dissolvidas no intestino – nada sai nas fezes.
Como o T. suis evoluiu para infectar porcos, a colonização no trato intestinal humano é limitada. Os vermes não conseguem se reproduzir e são eliminados com o tempo. Além disso, o ciclo de vida do verme requer um estágio fora do hospedeiro, sendo incapaz de infectar outros membros da família.

É um medicamento considerado seguro, sem nenhum efeito colateral. No caso de Lawrence, a melhora no comportamento começou depois de 8 semanas de tratamento. Depois da décima semana, os sintomas tinham desaparecido por completo. A narrativa dessa história pelo próprio Stewart pode ser encontrada aqui.

Os resultados promissores foram apresentados em 2007 ao FDA e deram inicio a um ensaio clínico mais completo – em andamento – que servirá para mostrar se o tratamento é realmente efetivo ou se foi apenas um caso de sorte, com alguma variável não controlada fazendo efeito na criança.

A saga desse pai e o sucesso da história traz uma perspectiva interessante para o entendimento do autismo, a “hipótese da higiene”. Segundo essa ideia, a industrialização e a falta de contato com elementos naturais acabam desestabilizando o sistema imunológico humano.

Evoluímos juntamente com nossos parasitas e assim que os eliminamos do nosso ambiente, a homeostase do nosso corpo tenta se estabilizar novamente. Durante a evolução, criamos diversas “armas imunológicas” contra esses parasitas que não estariam mais sendo utilizados no ambiente moderno.

A hipótese da coevolução é válida para a doença de Crohn, outras síndromes autoimunes como esclerose múltipla e provavelmente para alguns casos de autismo, como o de Lawrence. Ou seja, ao invés de existir “algo” no ambiente urbano que contribua para a incidência de autismo, seria mesmo a falta desse “algo”, no caso, nossos parasitas.

Acho que existe algo de muito importante nessa história. A investigação cientifica cautelosa desse e de outros casos semelhantes vai contribuir para entendermos melhor como o sistema imunológico interage com o sistema nervoso no estado normal e no estado autista.

Leia em Inglês o conteúdo da revista "The Scientist" sobre este assunto.

"Deficiências / Capacidades" - Manual para Parlamentares

No próximo dia 15 de Fevereiro, terça-feira, das 11h00 às 13h00, vai realizar-se no Auditório do Edifício Novo da Assembleia da República a cerimónia de lançamento do Manual elaborado pela ONU sob o título Deficiências/ capacidades, com o objectivo de apoiar os parlamentares nos seus esforços e iniciativas para implementar a Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, assinada pelo Estado Português em 2007 e ratificada em 2009.


A cerimónia contará com intervenções da Directora do Instituto Nacional para a Reabilitação, I.P., do Sr. Professor Catedrático Gomes Canotilho (com contributos relevantes, entre outros, no âmbito dos direitos fundamentais), e de deputados da 11ª Comissão de Trabalho, Segurança Social e Administração Pública. O encerramento da cerimónia será feito pela Secretária de Estado Adjunta e da Reabilitação, Idália Salvador Serrão.

A edição deste manual pelo Instituto Nacional para a Reabilitação, IP é mais um passo na concretização dos direitos das pessoas com deficiência, de que podem beneficiar todos os agentes públicos e privados, que de algum modo estejam envolvidos nesse processo, designadamente, as organizações não governamentais que representam as pessoas com deficiência e também os vários parceiros governamentais que no domínio das respectivas políticas precisam de ter em devida conta as especificidades das pessoas com deficiência.

A diretora do INR explicou à agência Lusa que o objetivo é apoiar os representantes parlamentares na sua função de legisladores, para que a "legislação que seja concebida e elaborada tenha em conta os direitos fundamentais das pessoas com deficiência".

"Muitas vezes a legislação e as medidas acabam por não ter em conta as características específicas e especiais das pessoas com deficiência e em vez de lhes facilitar a vida, acabam por criar mais obstáculos. A ideia é apoiar o exercício da atividade legislativa de modo a respeitarem os direitos dessas pessoas e a promovê-los", apontou Alexandra Pimenta.

A diretora do INR lembrou que a política de promoção dos direitos das pessoas com deficiência é "bastante recente no que diz respeito à evolução das democracias europeias e da portuguesa" e é reconhecido que muitas vezes os deficientes não participam mais na sociedade não pelas suas limitações, mas pelos obstáculos que existem nessa mesma sociedade.

"Mesmo em termos de elaboração de leis, o tipo de linguagem e de texto que é utilizado não é acessível, por exemplo, para uma pessoa que tenha deficiência intelectual. E como é bom que as pessoas conheçam e percebam bem as leis para as cumprirem e para se reverem nelas e bem as executarem, este é um aspeto para o qual o manual chama a atenção", exemplificou.

Alexandra Pimenta lembrou que quando se pensam medidas para estas pessoas, acaba-se por pensar para os cidadãos em geral porque todos, em alguma altura da vida, passam por uma situação em que experimentam algum tipo de limitação, seja pela idade ou por alguma circunstância específica.
"É sem dúvida uma chamada de atenção para que o serviço que nós fazemos, seja no âmbito legislativo, administrativo ou judicial, tem de ser muito próximo do cidadão e tem de ser feito para o cidadão", sublinhou.
Por outro lado, apontou, este manual vem ajudar todos os Estados-membros na implementação da Convenção das Nações Unidas sobre os direitos das pessoas com deficiência, que no caso português foi assinada em 2007 e ratificada em 2009.

Alexandra Pimenta apontou que este é um "instrumento de abordagem transversal da deficiência nas várias medidas de política pública" porque a pessoa deficiente realiza-se em todas as áreas da sociedade.

O documento fica a partir de hoje disponível a todos os deputados, mas não só, já que estará acessível AQUI.

segunda-feira, 14 de fevereiro de 2011

A história de Carly



Com autismo severo, Carly ultrapassou o problema da comunicação com recurso a um programa de texto.

Aceda à página da Carly aqui.

O Silêncio dos Inocentes


Em Portugal, uma em cada mil crianças em idade escolar tem autismo. Novas terapias dão esperança aos pais

Por:Joana Nogueira no Correio da Manhã


De olhos arregalados, o Marco dá-nos as boas-vindas. As palavras que ainda não adquiriram vontade própria são substituídas pela expressividade dos sentimentos que aos poucos vão encontrando formas de se exprimirem. Sentado no balouço azul, estrategicamente colocado no centro de uma sala ampla, de paredes claras, Marco deixa-se levar pelo movimento de vaivém que pontualmente o aproxima do reflexo do espelho colocado à sua frente. A imagem de um menino curioso que hoje toma forma pouco tem a ver com aquela que levou os pais suspeitar que algo não estaria bem.
"Quando o Marco tinha 18 meses deixou de dizer as palavras que já tinha aprendido, passou a andar na ponta dos pés, não respondia quando o chamávamos, não olhava, isolava-se. Procurámos uma clínica de pediatria do desenvolvimento, na qual ele foi analisado e diagnosticado como autista", conta Cristina Menier, mãe do Marco, de 5 anos, residentes em Lapela, no concelho de Monção. A ‘sentença' imposta pelo diagnóstico trouxe um mar de dúvidas e inquietações, facto que foi amenizado pelo conhecimento de uma nova terapia que aposta no desenvolvimento das capacidades do pequeno Marco.
O método 3I, criado pela Associação de Autismo Esperança no Rumo da Escola (AEVE), em França, é, por definição, Intensivo, Interactivo e Individual, dado que pressupõe que a criança esteja cerca de oito horas diárias em interacção com um adulto, de modo a ser estimulada, quer física como cognitivamente, através de jogos e brincadeiras. Para que tal seja possível, a ajuda de voluntários é essencial.
"O Marco está a beneficiar deste método há um ano e meio. Hoje tem um olhar mais presente, reage, interage. No início não aceitava os voluntários, gritava e não deixava que ninguém lhe tocasse. Hoje é ele que estabelece o primeiro contacto com eles, agarra-os pela mão, dá-lhes um beijinho e pede para ir brincar", conta. Porém, dos 45 voluntários necessários, apenas 27 mantém o vínculo, facto que limita o sucesso da metodologia. "Não sabemos se é pela zona do País, se pela cultura, a afluência tem sido pouca. Os voluntários têm sido à base do boca-a-boca", lamenta.
Dos amigos que foram passando pela sala adaptada para as necessidades do Marco, poucos ainda permanecem. Celine Gonçalves é uma das excepções. "Toda a gente está reticente com o método. Mas é preciso experimentar. No início também eu critiquei mas depois vi resultados que não consegui alcançar em dois anos enquanto educadora", conta, emocionada com os progressos do "seu menino", aquele que, sem pedir, faz parte dos números que engrossam a incidência do autismo em Portugal.
A DOENÇA SEM ROSTO
"O autismo é uma perturbação do neurodesenvolvimento e do comportamento que reflecte uma disfunção cerebral. Como sintomas nucleares caracteriza--se por défices na relação social e de comunicação, bem como por comportamento repetitivo. Em Portugal, a incidência do autismo é de um caso em cada mil crianças em idade escolar", revela Guiomar Oliveira, autora do estudo ‘Epidemiologia das Perturbações do Espectro do Autismo em Portugal', distinguido com o Prémio Pfizer em 2005. A investigação incidiu sobre crianças dos 6 aos 9 anos, o que quer dizer que, destas, 3400 sofrem de autismo. Embora as causas ainda não sejam totalmente conhecidas, os últimos anos possibilitaram avanços significativos nesta área.
"Esta patologia é mais frequente nas crianças do sexo masculino, com uma proporção de 4/5 rapazes para uma rapariga. Tem-se discutido se esta discrepância se deve a factores genéticos ligados ao cromossoma X. Pensa-se que existem indivíduos com mais susceptibilidade para desenvolver o autismo, facto que é sustentado pela realização de estudos que têm vindo a identificar múltiplos e variados genes que levam à prevalência desta patologia", explica Susana Martins, pediatra da consulta de desenvolvimento do Centro de Desenvolvimento do Hospital de Santa Maria, em Lisboa.
Além disso, "parece existir uma certa predisposição para o autismo, o que explica a incidência de casos de autismo nos filhos de um mesmo casal e a evidência demonstrada em estudo de gémeos. Por outro lado, alguns factores como a rubéola materna, hipertiroidismo, a prematuridade ou infecções graves neonatais podem ter influência no aparecimento desta patologia". Actualmente "estão a ser feitos estudos no sentido de analisar as anomalias nas estruturas e funções cerebrais, bem como ao nível da genética, para tentar perceber quais os genes que determinam a susceptibilidade de uma criança ter autismo".
O SEGREDO DO SUCESSO
Sentada no chão do seu quarto, entre vestidinhos cor-de-rosa e Barbies desalinhadas, Carolina idealiza um mundo onde não existem doenças, diagnósticos ou diferenças. Ali todos têm histórias, nomes e oportunidades, tal como ela teve, graças à força e persistência dos seus pais. "Aos dois anos e meio começamo-nos a aperceber de que ela se isolava muito. A partir daí foi uma crescente de crises, de frases desconexas. Começou a perder a capacidade de falar, chorava imenso. Percorremos quase todos os médicos e o diagnóstico oscilava entre síndrome de Rett e síndrome de Asperger. Até que decidi que ela precisava de ajuda", confessa Susana Silva.
Foi a vontade de querer fazer sempre mais que a levou a descobrir a terapia Son-Rise, desenvolvida pelo Centro de Tratamento do Autismo dos Estados Unidos da América desde 1983, e a fundar a associação Vencer o Autismo em Dezembro de 2010. "O Son-Rise consiste numa interacção de um para um com a criança. É um trabalho intenso que, dependendo do grau de desenvolvimento da criança, pode ser até de doze horas diárias e que tem como base três itens: energia, entusiasmo e motivação. Cada voluntário está, pelo menos, duas horas com a criança numa sala onde existe um trampolim, um escorrega, um baloiço e um espelho e prateleiras altas com outros objectos a que eles não chegam e que têm de pedir para poderem brincar ou interagir. A palavra ‘não' nunca é dita. Não existem punições, nem comportamentos repreensivos, para que a criança se sinta integrada", explica. Carolina, hoje com 11 anos, beneficia deste método há quatro meses, mas a evolução tem sido "exponencial".
"A Carolina está integrada no ensino regular, já tem uma amiga na escola, olha nos olhos, já consegue ter uma conversa normal e contextualizada ao telefone, conta factos da sua vida, está presente nos jantares, participa nas conversas. Ainda tem momentos em que fala muito sozinha mas passámos de quase nada para tudo isto que, numa criança autista, representa um enorme progresso".
João tem 4 anos e, tal como Carolina, também ele adora brincar sem amarras ou limitações. Nada o faz mais feliz do que interagir com a Natureza e brincar ao ar livre, onde pode soltar a imaginação ao sabor do vento. Os pedidos concretos que vai fazendo, como "quero brincar" ou "agarra-me", quando necessita de um pouco de colo, são indicadores de uma personalidade que se vai construindo com o tempo e com a superação das dificuldades resultantes do défice de desenvolvimento. "Ele quer entrar no nosso mundo mas sente uma incapacidade muito grande para o fazer", explica Helena Sabino, como que traduzindo o que o filho não consegue exteriorizar.
O primeiro indício do autismo remonta aos seus 17 meses, altura em que uma estranha fixação fez estremecer o sexto sentido de mãe. "Ele era muito risonho, sociável, mas nessa altura começou a ter crises de irritabilidade, chorava muito, rejeitava o contacto físico e visual. Notei que quando tinha a máquina de lavar roupa a trabalhar ele ficava a olhar para ela como se entrasse num mundo paralelo ao nosso". Foi o alerta do pediatra que pouco depois confirmou o pior dos receios. "O mundo desabou quando soubemos que o João tinha autismo. Não estávamos preparados porque afinal não foi algo com que ele tivesse nascido. Ele teve um crescimento normal até então. Sentou-se na altura certa, ainda chegou a dizer as primeiras palavras, como ‘mamã' e ‘papá', mas depois deixou de falar".
Com uma voz incerta conta: "Foi uma desilusão. Desconhecia por completo a doença. Achava que ser autista era sinónimo de estar a um canto de uma sala, sozinho, a baloiçar o corpo. O primeiro pensamento foi: ‘é preciso uma segunda opinião. E se foi um engano?'"
A consulta na Unidade de Autismo do Hospital Pediátrico de Coimbra ditou o mesmo resultado mas apresentou-lhe uma realidade bem diferente daquela que é retratada pelas produções de Hollywood. "Disseram-nos que não nos podia dar perspectivas de como iria ser mas que era necessário fazer uma intervenção precoce nas áreas mais afectadas como a comunicação e a interacção social. O João ingressou na creche do Centro de Educação e Desenvolvimento de D. Maria Pia, em Lisboa, aos dois anos, na qual existia uma equipa multidisciplinar capaz de responder às suas necessidades. Tem ainda o apoio extra de uma psicopedagoga da Associação Portuguesa para as Perturbações do Desenvolvimento e Autismo (APPDA) de Lisboa duas vezes por semana", intervenções que lhe restituíram a capacidade de interagir com o mundo.
Ana Gouveia é uma das psicólogas responsáveis pela consulta médica semanal de diagnóstico e aconselhamento aberta à comunidade da APPDA - Lisboa, que custa 70 euros para os não-sócios. Como especialista, vive de perto os dramas familiares que acompanham a descoberta de uma doença estigmatizada. "Os pais normalmente desconhecem esta doença por completo. Apercebem-se de que algo não está bem porque um familiar os alertou e depois vêm até cá. A primeira preocupação tem a ver com o facto da criança não falar, o que é o mais frequente".
Passado o choque inicial, é tempo de saber o que pode ser feito. "No 1º ciclo os pais estão mais ou menos descansados porque com 4/5 anos os meninos conseguem estar bem. As escolas são mais pequenas e os coleguinhas entendem melhor a diferença. Com a pré-adolescência e a adolescência os meninos tornam-se menos tolerantes. Para além disso, a transição para o 2º e 3º ciclos é muito difícil, uma vez que têm de ter um plano curricular diferente, explica a psicóloga, que acrescenta: "Alguns pais quando pressentem a transição dos seus filhos para o 2º ciclo sondam-nos para ver se é possível passar os filhos para o ensino especial. Mas agora é obrigatório estarem no ensino regular até aos 18 anos. O ensino especial só acontece em casos muito específicos".
SEM APOIOS
Os sonhos de João Afonso não chegam a contemplar o ingresso do seu filho Rui no ensino regular. A vida ensinou-o a ser menos exigente para com quem se ama, a esperar pouco e a dar tudo o que esteja ao seu alcance para arrancar um sorriso dos lábios da criança que ainda hoje - aos cinco anos - não sabe o que significa falar.
"Quando nos confirmaram que se tratava de autismo nós já tínhamos feito o nosso luto. Não foi uma surpresa, nem um choque. Aprendemos a lutar. Não temos tempo para ficar chocados. Fomos aprendendo a esperar e a exigir pouco e a dar mais importância às coisas realmente importantes da vida. Aprendemos a procurar soluções em vez de dramas", diz.
"O Rui é uma criança muito sociável, muito amorosa, que dá a mão, que abraça, pede colo. Mas nunca falou. Ele não consegue apontar para um copo de água, não consegue dizer o que lhe dói. É como um bebé. Quando chora temos de experimentar tudo e muitas das vezes não fazemos ideia do que seja. Uma vez nas férias levei-o para o hospital e pedi, em desespero de causa, para o porem a dormir, pelo menos. Nós também desesperamos. Nunca soubemos o que foi. Acabou por passar".
Rui foi das primeiras crianças a beneficiar do modelo ABA (Análise Comportamental Aplicada) em Portugal e ainda hoje, três anos depois, é uma presença assídua no Centro ABCReal Portugal, onde tem vindo a desenvolver a sua autonomia. O modelo consiste numa terapia intensiva, na qual o terapeuta interage com a criança/jovem durante um período de pelo menos 25 horas semanais, o que representa mil euros na factura do final do mês, um encargo pesado para muitas famílias, já que não beneficiam de nenhum apoio.
Pedro (nome fictício) tem 4 anos e beneficia do modelo ABA há cerca de um ano. "Logo no primeiro mês notámos uma grande diferença. Ele começou a falar e a cantar. Hoje é mais autónomo, fala imenso, está praticamente como uma criança da idade dele, razão pela qual existe a possibilidade de ser um dos primeiros casos de reabilitação, embora não haja prazos definidos para que isso aconteça", revela a mãe, Sofia (nome fictício). No entanto, "o apoio do Estado é nulo. A terapia que o meu filho faz nem sequer é reconhecida em Portugal. Existe uma grande lacuna em termos de ajudas aos pais e principalmente a estas crianças", lamenta.
Afonso tem a mesma idade mas um percurso um pouco diferente. Fez ABA durante um ano mas acabou por sair devido "ao custo elevado, à má aplicação do método e à direcção do mesmo", segundo conta a sua mãe, Susana Oliveira. Actualmente tem uma terapeuta particular e aulas de natação que perfazem cento e cinquenta euros no final do mês. Na escola, onde já conquistou amiguinhos, tem ainda terapia da fala duas vezes por semana e uma psicóloga. Sempre presente está Susana Oliveira, que deixou de trabalhar para se dedicar inteiramente ao filho.
"O meu maior sonho era que o Afonso falasse correctamente, fosse autónomo e que a sua epilepsia se curasse", confessa, de olhar terno. Segundo Susana Martins, pediatra da consulta de desenvolvimento do Hospital de Santa Maria, o autismo "tem sintomas físicos. Entre 26 e 47 por cento dos autistas tem epilepsia e sintomas gastrointestinais, diarreia, vómitos. São muito agitados e isso pode acontecer devido ao desconforto, à dor que sentem mas que não conseguem expressar", adverte.
Afonso aprendeu a viver com as suas limitações e a superá-las todos os dias. Para trás deixou os rostos de estranhos constrangidos, as costas que tantas vezes se viraram quando tentava alcançar um mundo que ainda não era o seu.
Hoje sorri com a alegria que sempre lhe invadiu o peito mas que só agora ganhou forças para se fazer notar.
FALTAM ESTRUTURAS ADEQUADAS
Para a presidente da APPDA - Lisboa e da Federação Portuguesa de Autismo, Isabel Cottinelli Telmo, o problema maior diz respeito aos autistas que já passaram da idade escolar e que não têm respostas adequadas à sua situação. "Não existem instituições para estas pessoas. Faz falta uma rede maior, mais acordos, mais centros de actividades ocupacionais (CAO). A procura é muito grande e a oferta é pequena", refere.
Neste momento, acrescenta, "a lista de espera para o CAO da APPDA tem 50 pessoas. Mas não há possibilidade de entrada de mais utentes porque a Segurança Social não alarga os apoios. Não existem lares para cobrir as necessidades. As pessoas começam a ficar mais aflitas com a idade e com a falta de respostas para elas".
NOTAS
VIANA
A Associação Amigos do Autismo, em Viana do Castelo, dá apoio a cerca de 120 autistas de todas as idades.
PAIS
A APEE - Autismo, criada em 2009 por pais e encarregados de educação no Porto, tem 43 associados.
PALMELA
A Associação para a Inclusão e Apoio ao Autista, em Palmela, tem 185 associados e 20 utentes em terapias.
ATÉ AOS 40
O Centro ABCReal Portugal, criado em 2008, acolhe 27 autistas. O mais novo tem 3 anos e o mais velho 40.

Nota: Por lapso a Jornalista referiu a Aia em Braga como sendo de Palmela

quarta-feira, 9 de fevereiro de 2011

O que é verdadeiramente o autismo?

No início deste mês, deparei com dois relatórios mostrando duas formas muito diferentes em que legítimos investigadores do autismo estão a abordar os mecanismos biológicos por trás das diferenças cognitivas.

Embora os estudos tenham encontrado correlações genéticas, ninguém sabe a causa exacta do autismo. E isso levou a um par de abordagens interessantes.

Por um lado você tem Joachim Hallmayer, um dos vários investigadores entrevistados para uma história na revista da Stanford University, que pensam que o que chamamos de "autismo" é realmente um número de diferentes, distintas diferenças biológicas, algo que contribuiu para a ampla gama dos sintomas, gravidade e distúrbios associados. Estes investigadores falam sobre o autismo como uma série de subgrupos definidos por determinados anormalidades genéticas e cromossomáticas. Um exemplo:

“Há muito tempo que se sabe que cerca de 5 por cento das crianças autistas têm uma anomalia cromossomática que pode ser vista ao microscópio – falta parte de um cromossoma, está duplicado ou no lugar errado. Como essas mudanças afectam um grande número de genes, os filhos têm muitas vezes problemas, para além de autismo. O que não era conhecido até à pouco, é que todos nós temos imperfeições ligeiras em nossos cromossomas - pequenas regiões do DNA são duplicados ou apagados. Quando esses segmentos de DNA contém genes, as pessoas podem acabar com uma ou três cópias dos genes em vez das duas normais.
Os avanços tecnológicos tornaram possível detectar essas "variantes do número de cópia", ou CNVs. E acontece que elas são importantes no autismo e noutros transtornos psiquiátricos. Por exemplo, uma região do cromossomo 16 – que contém cerca de 25 genes, alguns dos quais envolvidos no funcionamento do cérebro e do seu desenvolvimento - é excluído ou repetido em 1 a 2 por cento nas pessoas com autismo (e alguns com esquizofrenia). Hallmayer e os seus colegas examinaram os genomas de milhares de pessoas com autismo e 2.000 indivíduos saudáveis procurando CNVs raros. Eles descobriram que as crianças com autismo tinham CNVs mais raros que se sobrepunham genes, incluindo genes previamente implicados no autismo. Alguns CNVs foram herdados de um familiar, mas outros surgiram espontâneamente na criança, provavelmente devido a um erro genético no espermatozóide ou óvulo.”

Entetanto, os neurocientistas Kamilla e Henry Markram têm uma perspectiva diferente. Eles acham que os sintomas diversos de autismo vem todos de uma única causa comum, o cérebro que é hiper-sensível aos estímulos. A sua teoria "Uma causa para muitos sintomas" não é tão bem suportado, biologicamente falando, como a ideia de muitas causas para muitos sintomas.
O Blogger Neuroskeptic explica:

“Eles dizem que a anormalidade reside nos microcircuitos locais. O mais conhecido destes são as colunas corticais e minicolunas. Os neurónios em qualquer micrococircuito estão ligados tanto aos seus vizinhos como a células mais distantes. Um pouco como uma grande empresa com escritórios em diferentes cidades: as pessoas dentro de cada escritório conversam uns com os outros, mas também de telefone e e-mail para os outros escritórios.
A teoria avança que o cérebro autista tem muitas ligações dentro de qualquer microcircuito. Assim, quando o circuito é ligado, ele reactiva-se muito fortemente, e mostra uma excitação forte e prolongada. Um pouco como se os escritórios fossem de espaço aberto para que todos possam ouvir todos, e assim fica muito barulhento.
Então, qual é a evidência para isto? Há um apoio circunstancial. Isto "faz sentido", se você estiver disposto a aceitar uma analogia entre circuitos neuronais locais hiperactivos e fenómenos psicológicos hiperintensos. Sabemos que uma determinada minicoluna cortical responde a um tipo específico de estímulo, ou aspecto de um estímulo: Há minicolunas para linhas horizontais, para as linhas a 10 graus para a horizontal, e assim por diante. As pessoas com autismo fixam-se muitas vezes em pequenos detalhes. É um salto, mas não impossível, para ver como estão relacionados. Mas a única evidência biológica directa é realmente fornecida por ratos.”

Técnicamente, estas duas perspectivas não são mutuamente exclusivas. Pode ser que haja muitas e diferentes formas de o cérebro pode acabar por ser hiper-sensível. E, claro, os Markram’s só poderiam estar enganados. Mas eu acho que é interessante ver o que os cientistas estão aprendendo sobre as origens do autismo - o que sabemos, e o que não. Muitas vezes, passamos mais tempo debruçados sobre o desmascaramento da fraude e da falsa esperança do que passamos a falar sobre a pesquisa real. Há muito mais lá fora do que este post poderia falar, mas estes dois artigos devem dar-lhe uma ideia da diversidade de estudos que estão em curso, a evidência de que existe, e como os cientistas estão tentando dar sentido de tudo isso.

Fonte: Maggie Koerth-Baker

terça-feira, 1 de fevereiro de 2011

Compreendendo a mente autista

Neurocientistas encontraram evidências de que os autistas têm problemas em identificar as intenções de outras pessoas.




Em meados dos anos 80, uma equipa de investigadores de autismo teorizou que uma das maiores características do autismo é a incapacidade de inferir os pensamentos de outra pessoa. Esta característica, conhecida como a Teoria da Mente, é natural na maioria das pessoas – estamos constantemente a avaliar o estado mental de outras pessoas, tentando determinar o que elas sabem, o que querem e porque é que estão felizes ou tristes, zangadas ou assustadas.

Embora haja evidências de que esta característica está comprometida nas pessoas com autismo, tem sido difícil de o mostrar de forma experimental em adultos. Contudo, um estudo de neurocientistas do MIT revela que adultos com autismo de alto funcionamento parecem ter problemas no uso da teoria da mente para, em determinadas situações, fazerem julgamentos morais.

Especificamente, os investigadores descobriram que os adultos autistas tinham maior probabilidade do que os indivíduos não-autistas para culpar alguém por ter acidentalmente causado danos a outra pessoa. Isso mostra que as suas decisões confiam mais no resultado do incidente do que num entendimento sobre as intenções da pessoa, diz Liane Young, um associado postdoctoral MIT e um dos principais autores do estudo, que aparece na edição on-line 31 de Janeiro da Proceedings of the National Academy of Sciences.

Por exemplo, num cenário, "Janet" e uma amiga estão a viajar de caiaque numa parte do oceano com muitas medusas (alforrecas). A amiga pergunta a Janet se pode mergulhar. Janet acabou de ler a notícia de que as medusas na região são inofensivas, e diz a sua amiga para mergulhar. A amiga é picada por uma medusa e morre.

Neste cenário, os pesquisadores descobriram que pessoas com autismo são mais propensos do que as pessoas não-autistas a culpar Janet pela morte da sua amiga, mesmo que ela acreditasse que as medusas eram inofensivas.

Young observa que tais situações tendem a suscitar uma ampla gama de respostas, mesmo entre pessoas não-autistas. "Não há nenhuma verdade normativa quanto à possibilidade de os acidentes deverem ser perdoados. O padrão com pacientes autistas é que estão numa extremidade do espectro", diz ela.

A maioria das crianças desenvolvem a capacidade da teoria da mente por vaolta dos 4 ou 5 anos de idade, o que pode ser demonstrado experimentalmente com o teste da "falsa crença".
Estudos anteriores demonstraram que as crianças autistas que, se alguma vez desenvolvem esta característica, o fazem depois das crianças não-autistas, dependendo da gravidade do autismo, diz o professor do MIT John Gabrieli, autor sénior do estudo.

As pessoas autistas de alto funcionamento- por exemplo, aqueles com uma forma mais leve de autismo, tais como a síndrome de Asperger - frequentemente desenvolvem mecanismos compensatórios para lidar com as suas dificuldades em compreender o pensamento de outras pessoas. Os detalhes destes mecanismos são desconhecidos, diz Young, mas permitem que a pessoa com autismo funcione na sociedade e passe alguns testes experimentais, como determinar se alguém cometeu uma "gafe" social.

No entanto, os cenários utilizados no novo estudo do MIT foram construídos de forma que não há nenhuma forma fácil de compensar a falha da teoria da mente. Os pesquisadores testaram 13 adultos autistas e 13 adultos não-autistas em cerca de 50 cenários semelhante ao exemplo da medusa.

Num estudo de 2010, Young usou os mesmos cenários hipotéticos para testar os juízos morais de um grupo de pacientes com lesões no córtex prefrontal ventromedial (VMPC), uma parte do córtex pré-frontal (onde o planeamento, tomada de decisões e outras tarefas cognitivas complexas ocorrem).

Esses pacientes compreendem as intenções de outras pessoas, mas falta-lhes a indignação emocional que geralmente ocorre nos casos em que alguém tenta (mas falha) em prejudicar outrém.

"Enquanto os indivíduos autistas são incapazes de processar informações sobre o estado mental e compreender que os indivíduos podem ter intenções inocentes, o problema com os pacientes VMPC é que eles poderiam compreender toda a informação, mas não conseguem responder emocionalmente a essas informações", diz Young.

Juntar estas duas peças poderá ajudar os neurocientistas ter uma imagem mais completa de como o cérebro constrói a moralidade. Estudos anteriores feitos pela professora adjunta do MIT Rebecca Saxe (também um dos autores do papel novo de PNAS) mostraram que a teoria da mente parece estar localizada numa região do cérebro chamada junção temporoparietal direita (TPJ). Em estudos em curso, os investigadores estão estudando se os autistas têm atividade irregulares no TPJ direito ao executar as tarefas de julgamento moral utilizado no estudo de PNAS.

Fonte: MIT